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Culturas em extinção

Nesta palestra, o antropólogo Wade Davis, autor de “One River“, fala sobre um problema seríssimo que está acontecendo ao redor do mundo: a extinção maciça de culturas. Ele foi aluno de Richard Evans Schultes (o verdadeiro Indiana Jones): o pioneiro da pesquisa com plantas sagradas e a botânica transcedental, incluindo peiote, ayahuasca, entre 200 outras plantas catalogadas e identificadas. Wade Davis é autor de vários livros e coordenador de diversos projetos magníficos pela National Geographic, incluindo programas sobre psicodélicos e uma biografia sobre a vida e obra de seu mestre.

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Respiração Holotrópica

Amanhã, quinta-feira 09/06/11, uma parceria entre o Plantando Consciência, editora Numina, aljardim e livraria da vila trará a Sampa o lançamento do livro “Respiração Holotrópica – uma nova abordagem de autoexploração e terapia”. Escrito por Stan Grof, o poderoso chefão da psicodelia, junto com sua esposa Christina Grof, o livro trata da técnica terapêutica criada pelo casal após a arrebatadora e transformadora carreira de Stan com psicoterapia com LSD e como abordar e colher frutos dos estados holotrópicos de consciência sem o uso de qualquer substância. Imperdível

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Amanhã, quinta 09/06 das 18.30 as 21.30, palestra as 20h. Mais informações aqui

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E agora, doutor?

“Toda verdade passa por três estágios. Primeiro, ela é ridicularizada. Depois, é violentamente refutada. E num terceiro momento, ela é aceita como sendo auto-evidente“ – Arthur Schopenhauer

Educado numa família cuja única fé é na ciência, cresci entendendo que um dos pilares que sustentam a nossa civilização é a medicina moderna. Se o mundo é atormentado por guerras, violência, epidemias, dor e morte… a medicina é o antídoto e o equilíbrio para todo esse sofrimento. No meu olhar de classe média intelectualizada, todo aquele papo sobre “energias” e curas espirituais não passava de um truque psicológico pra faturar em cima de frágil crença do pobre cidadão sem educação. Energia, segundo aprendi em casa, é o que acende as lâmpadas.

Então o tempo foi passando e o caminho que as coisas tomaram não foi exatamente aquele previsto pela milagrosa sociedade capitalista científico-tecnológica, aquela que venceu a barbárie das doenças infecciosas e rituais supersticiosos. O mundo não melhorou, e curiosamente as únicas pílulas que parecem ter deixado as pessoas mais felizes são consideradas “schedule I” (a lista 1 de substâncias proibidas) de acordo com os preceitos do FDA. E não se pode comprar ecstasy na farmácia, nem mesmo com prescrição médica. Então ‘bora pros ansiolíticos e antidepressivos, as drogas da vez da sociedade moderna.

Eu não conheço ninguém que não conheça alguém que toma antidepressivos, estabilizadores de humor, calmantes ou outros da mesma sorte. Curiosamente, as pessoas que eu conheço que incluíram estes medicamentos na sua dieta são os mais bem sucedidos do ponto de vista do capitalismo: a grande maioria está “bem empregada” e conquistou uma posição financeira capaz de promover segurança e conforto. Todos estão comprando apartamentos, tem Wii com Rock Band em casa, e carros de valor cotado acima das três dezenas de milhar, pra ficar no mínimo denominador comum.

Por outro lado, riquezas acumuladas ao longo de uma vida inteira são gastas em um punhado de anos com medicamentos, médicos, enfermeiras e internações hospitalares naqueles que têm que encarar um câncer, parkinson, alzheimer e tantas outras doenças degenerativas que afetam muitos de nossos idosos (e outros nem tão idosos assim).

As pessoas “chegaram lá”, mas não encontraram a felicidade, ou a plenitude. E a medicina moderna não preencheu este vazio. Pelo contrário, Michael Jackson, Brittany Murphy e Heath Ledger têm em comum o fato de terem inaugurado a era das celebridades que morrem por overdose de remédios prescritos. O mundo moderno está em crise de consciência, e consequentemente de saúde. Crise aliás, é o termo se tornou a definição por excelência dos nossos tempos, não é?

E agora, como sair dessa? Olhe em volta. Que alternativas você consegue encontrar? Veja o modelo espiritualizado da física quântica, o olhar simbiótico da permacultura, o debate inevitável acerca da falência da guerra às drogas, a popularização da yoga, a falência moral do sistema monetário… a impressão pra quem pega o bonde andando é que voltamos aos anos 60.

E é mais ou menos isso mesmo. Como colocado no filme de João Amorim, 2012 Tempo de Mudança, existe uma idéia errônea de que os anos 60 “fracassaram”, quando na verdade as mudanças compulsórias de hábitos que estão marcando a nossa época são herança direta daquele período, pioneiro em diversas áreas como a yoga, comida orgânica, feminismo, vanguarda artística, liberação sexual, psicodelia e assim por diante.

Dentre as áreas que hoje resgatam a tradição dos anos 60 e merecem nossa atenção, uma das mais fundamentais é a  medicina. Vamos ser honestos. Os hospitais públicos estão sobrecarregados. Os hospitais privados e laboratórios de exame emergem imponentes na paisagem urbana como templos luxuosos, que oferecem mais mimos e distrações do que cura propriamente, quem já teve um parente internado sabe bem disso.

Fora dos hospitais a realidade não é muito diferente. A grande maioria das consultas médicas são motivadas primeiramente por distúrbios psicossomáticos. Segundo o professor de medicina e psiquiatria da New York Medical College PJ Rosch, 70 a 90% das visitas a consultórios médicos nos EUA são relacionadas ao estresse, que leva os americanos a consumirem 5 bilhões de tranquilizantes todo ano.

Na verdade, as pessoas acreditam no que querem acreditar e não acreditam naquilo que não querem acreditar, independentemente dos fatos e evidências” – Dr. Andrew Weil

O buraco é ainda mais embaixo. Cansados de ver milhões de vidas sendo ceifadas em nome de doenças misteriosas como o câncer e a AIDS, que mesmo após mais de um século de progresso científico-tecnológico e do desenvolvimento da medicina moderna não conseguem ser completamente explicadas ou tratadas, alguns heróis de espírito investigativo começaram a colocar em cheque estes paradigmas antes inquestionáveis. Os documentários A Casa dos Números, sobre a AIDS, e Uma Linda Verdade, sobre o Câncer, partem de perguntas tão óbvias que é como se tivéssemos esquecido de nos perguntar.

Para aqueles que desconfiam de “teorias da conspiração” e gostam de números e fontes confiáveis, basta navegar pelo site da Organização Mundial de Saúde. Enquanto que, em 1995, o relatório anual da OMS apontava a pobreza como principal barreira para o desenvolvimento da saúde no mundo, numa sociedade aparentemente saudável com excessão dos rincões de miséria, em 2008, o mesmo relatório já mudava de tom, apontando que “condições injustas de acesso à saúde, custos empobrecedores e a erosão da confiança no sistema de saúde constituem uma grande ameaça para a estabilidade social”, pedindo um “retorno a uma abordagem mais holística da saúde”.

A questão é simples: desde que a ciência dos comprimidos e da medicina alopática  monopolizou a promessa de cura, a sociedade não se tornou mais saudável. Pelo contrário, estamos na verdade mais doentes do que no passado.

A equação não é difícil de entender. A natureza corporativa da indústria farmacêutica, voraz pelo lucro em larga escala, faz com que ela só tenha olhos para drogas de “alívio imediato” (que tendem apenas a eliminar temporariamente os sintomas, ao invés de combater o problema pela raíz, forçando o uso recorrente) e desta forma inibem quaisquer tentativas de tratamento que não implique no uso dos remédios ou tratamentos alopáticos que a sustetam.

Eis então uma verdadeira pandemia: nomes imponentes como Transtorno Obssessivo Compulsivo, Transtorno Bipolar, Síndrome do Pânico e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade tiram do paciente a responsabilidade pela sua própria situação, que é entregue aos “milagrosos” coquetéis químicos da medicina moderna, e com isso nomes como Frontal, Prozac, Ritalina, Lexotan, Rivotril entre tantos outros, são hoje tão populares quanto as dos fabricantes de celulares. Estou exagerando? Então confira esta grife esperta que lançou objetos de decoração inspirados nestes novos ícones da cultura pop.

Esta mesma indústria farmacêutica se baseia na confiança oferecida pela ciência para desmoralizar tratamentos alternativos, que geralmente são tachados de ineficazes por não terem validação científica ou até mesmo por serem inacessíveis ao método científico experimental, como a homeopatia, fitoterapia, acupuntura, aromaterapia, ayurveda, reiki e assim por diante.

“Construímos um sistema médico em que o ato de enganar não é apenas tolerado, mas recompensado”, afirmou em entrevista à Folha de São Paulo o médico Carl Elliot, professor de bioética e filosofia na Universidade de Minnesota e autor do livro “White Coat, Black Hat -Adventures on the Dark Side of Medicine” (Jaleco Branco, Chapéu Preto: Aventuras no Lado Negro da Medicina), uma viagem aterrorizante pelas falcatruas e o poder exercido pela indústria farmacêutica, que escapou a todo controle em nome do lucro. “O problema hoje é que temos um sistema de desenvolvimento de drogas orientado para o mercado e não para as coisas que as pessoas doentes precisam”, nos lembra o médico americano.

Mas uma verdade fabricada não consegue se sustentar somente em números por muito tempo. Como demonstrado nos documentários mencionados anteriormente, as mortes dolorosas de pacientes de AIDS pelo uso de tóxicos pesados como o AZT, ou de pacientes de câncer pela quimioterapia (que no fundo é um ataque irrestrito ao organismo, já que mata células indiscriminadamente, e não apenas as cancerígenas), rivalizam com as mortes provocadas pelas próprias doenças sem tratamento algum. Se é que elas são o que nós pensamos que fossem.

E os dados foram lançados. A medicina alternativa ganha espaço em meio a esta crise de controle pela nossa fidelidade. Por um lado, vemos o crescimento do uso medicinal das plantas de poder por xamãs urbanos, ou o debate acerca das propriedades medicinais da maconha ganhar atenção da mídia, por outro, novas práticas medicinais que se propõem a resgatar elementos da cultura oriental e de conhecimentos espirituais começam a penetrar nas classes mais intelectualizadas. O Plantando Consciência está acompanhando esta briga de perto, e aproveitamos para indicar dois workshops que acontecem em Novembro que devem ajudar a fomentar esta reflexão.

O primeiro, Desenvolvimento Humano Multidimensional, que acontece agora no dia 12 de Novembro, com o Dr. Fernando Bignardi, trabalha a saúde através da abordagem quântica do físico Amit Goswami. Bignardi é formado pela Escola Paulista de Medicina (EPM-UNIFESP); pós-graduado em Homeopatia, Psicoterapia, Medicina Comportamental, Biologia, Ecologia e Geriatria/Gerontologia; e é um dos defensores de que o estilo de vida da cultura ocidental contemporânea é o principal fator de doenças crônicas como a depressão, hipertensão arterial e diabetes, propondo que adotemos o modelo quântico de ser humano na questão da cura. Assista à entrevista do Dr. Fernando Bignardi para o Globo Repórter (exibida em 08/10/2010)

O segundo, Workshop de Introdução à Sintergética, nome que pode ser desmembrado em “Síntese das Energias”, acontece nos dias 20 e 21 e apresenta, através da chilena Daniela Blazquez, psicóloga residente na Austrália, uma medicina integralista que propõe uma visão holística baseada nos conhecimentos ancestrais da ayurveda, medicina chinesa, xamanismo e geometria sagrada.

O importante em ambos os casos é abrirmos nossa receptividade ao novo, ao invés de categorizarmos o que desconhecemos com uma etiqueta, motivados pelo preconceito. Olhe para si e para as pessoas ao seu redor e você também irá perceber que não é mais possível viver um mundo dualista, que promove a distinção entre a medicina “de verdade” e as “baboseiras new age”. A sociedade está doente, o planeta está doente, e aqueles modelos que tínhamos como solução estão falhando. Dê uma chance para romper com alguns paradigmas envelhecidos e talvez você descubra que, ao invés de um gigantesco iceberg no qual colidimos sem saber antecipar, como o Titanic, existe uma maravilhosa oportunidade que se abre para um mundo de saúde e de possibilidades infinitas.

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Tudo Azul

Manipulado pela mídia? Vá ao cinema

Obs. (05/04/2010): O texto abaixo foi publicado antes do assassinato do cartunista Glauco. No entanto o conteúdo não perde a atualidade. Basta substituir a parte que fala da matéria da Isto É pelas matérias de capa da Veja ou da Época para o caso, ou os programas da TV Record, que a conclusão é a mesma.

Uma foto de um homem de olhos fechados e cabeça para o alto, erguendo uma taça em tom de reverência cerimonial, semelhante à missa católica, com os dizeres em tom sensacionalista “Santo Daime Liberado” estampou a capa da revista Isto É do início do mês. Apesar do enfoque religioso, o fato de a ayahuasca conquistar a mídia soa, a princípio, como uma notícia potencialmente revolucionária! Mas a esperança de um jardineiro de consciência foi pisoteada pela obtusa ignorância do interesse político. Não era preciso nem ler a reportagem em questão pra saber qual o tom da matéria. Bastou acompanhar a chamada da capa: “O governo autoriza o uso do chá alucinógeno em rituais religiosos, mesmo com casos de morte após o seu consumo. A medida abre um novo e perigoso precedente na discussão sobre a legalização das drogas”.

Incluir uma bebida de origem indígena e uso milenar na categoria “droga” é, no mínimo, uma metonímia vulgar . Mesmo assim, vamos pressupor que o leitor desconheça o assunto, que de fato é delicado. A reportagem pouco esclarece do que se trata a ayahuasca, que é comumente confundida – inclusive pela própria reportagem – por “Santo Daime”. Santo Daime é uma religião cristã, que assim como a UDV (União do Vegetal) e outras, difere das religiões cristãs comuns por fazer o uso da bebida enteógena em suas cerimônias. Caso você esteja se perguntando o que quer dizer “enteógena”, eu explico: a palavra vem do grego (en- = dentro/interno, -theo- = deus/divindade, -genos = gerador),  e se traduz em algo como “manifestação interior do divino”.

Comumente tratada como “alucinógeno” (pela Isto É inclusive), um termo pejorativo e que não traduz os efeitos do enteógeno com clareza, a ayahuasca é uma bebida fermentada resultante da mistura de um cipó e um arbusto nativos da Amazônia, utilizada por incontáveis etnias indígenas por milênios em rituais de cura, divinação e comunicação com o mundo espiritual.

Para nós, além do uso religioso abordado pela reportagem, a bebida é tomada cerimonialmente para limpar os corpos físico e energético, abrir a cabeça para realidades ocultas e destravar um potencial outrora intangível. Seu potencial meditativo e medicinal é imensurável. Ao contrário da medicina profissional, que se vê como ciência, busca uma solução única e trata os pacientes como corpos, a medicina dos curandeiros é a arte de se tratar a alma, e procura entender a doença dentro de uma perspectiva holística: como resultado do desequilíbrio de um todo indivisível (físico, psicológico e psíquico), que não pode ser explicada ou tratada pelos componentes distintos separadamente. É aí que entra a ayahuasca, um produto complexo, designado para um tratamento complexo.

As campanhas de terror contra as drogas fazem parte de uma guerra que já foi perdida. Após mais de meio século de repressão sem resultados, já devia estar claro na cabeça de todo cidadão que a descriminalização é a única solução para o problema do tráfico e do crime. Mas, aparentemente, nem a adesão do ex-presidente FHC e sua Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia conseguiu acordar o corpo editorial da revista para o mundo real. A Isto É (que na internet usa o subtítulo  “Independente” mas é apenas um dos braços políticos de uma corporação, diga-se de passagem) parece ter permanecido no século vinte, ou pior, nos tempos de ditadura militar, quando o desconhecido era visto como ameaça (e não como oportunidade) e a censura era adepta da filosofia do “atire antes, pergunte depois”.

Anacrônicos, ou manipuladores (ou ambos), jornalistas desta estirpe cometem um crime ao tratarem uma questão de consciência como questão de polícia. Ao invés de iluminarem uma questão social séria, trabalham para ocultar e banalizar a informação. Em contrapartida, o interesse científico, documental¹ e social pela ayahuasca no mundo desenvolvido não para de crescer.

Meanwhile, back in the jungle…

Vítimas de overdose. De drogas prescritas

No que diz respeito aos casos de morte supostamente provocados pela ingestão de ayahuasca, a própria reportagem admite que não foram comprovados. Um rapaz morreu afogado porque não sabia nadar. O outro sofria de uma doença degenerativa do coração. Casos como estes são comumente usados como bodes expiatórios quando se procura incriminar alguma substância. No entanto, todos os anos mais pessoas morrem da ingestão de drogas prescritas do que de drogas ilegais, numa proporção de 5 pra 1 (só nos EUA  são mais de 100 mil mortes e 1,5 milhão de hospitalizações por ano). E casos recentes como o do ator Heath Ledger, Michael Jackson e a atriz Brittany Murphy não entram em reportagens alarmistas, porque este tipo de notícia não interessa ao onipresente conglomerado farmacêutico. Assim como Marilyn Monroe, Jimi Hendrix, Bruce Lee, Keith Moon e Anna Nicole Smith, entre tantos, estas celebridades não morreram de overdose de drogas (no sentido pejorativo), mas morreram de overdose de remédios, disponíveis no balcão da farmácia mais próxima. Então quem é o vilão? Uma dúzia de substâncias listadas pela FDA, ou o desequilíbrio psíquico-físico-psicológico que leva pessoas a buscarem a solução de seus problemas em dosagens extremas de “pílulas da felicidade” ou qualquer outro produto em excesso (álcool, açúcar, gordura, tabaco, processados… faça a sua escolha)?

O que deve ser considerado em relação à ayahuasca é que de fato a bebida tem efeitos fortes sob o corpo (provoca vômitos e diarréias – como formas de se expelir a doença ou problema tratado), e pode provocar efeitos colaterais ao ser misturada com drogas farmacológicas, principalmente antidepressivos, mas também tranquilizantes, antihistamínicos, anfetaminas etc. Além de não ser exatamente o tipo de droga recreativa para um adolescente. A ayahuasca é uma medicina milenar e só deve ser ingerida sob tutela de um xamã, curandeiro ou guia espiritual.

Mas o governo deu um passo adiante. Então estamos avançando no final das contas. Resta a pergunta: quem lê esta revista afinal? Mais do que isso: quem a leva a sério? Talvez alguns milhares de pessoas. Mas é uma porcentagem ridícula se compararmos com a quantidade de pessoas, não apenas no Brasil, mas no mundo todo, que assistiram ou irão assistir ao filme Avatar.

Musa sagrada

Se você ainda não assistiu Avatar, você deve estar em outro planeta. O longa em 3D que levou 14 anos pra ficar pronto é mais do que “entretenimento de primeira”, ou o novo recorde de bilheteria de todos os tempos. É uma revolução na consciência, um manifesto tão anti-tecnológico e anti-civilizatório quanto os livros do anarquista John Zerzan (entrevistados no filme Surplus, disponível no nosso site), tão psicodélico quanto as dissertações de Terence Mckenna, e, sim, glorificando a visão de mundo indígena e xamânica acima de tudo. O que nos traz de volta à ayahuasca, a grande vilã da revista Isto É.

Fico imaginando o jornalista que assinou a reportagem, que obviamente nunca experimentou a bebida, numa sala de cinema Imax, completamente absorvido pela experiência psicodélica que o filme de Cameron proporciona, sem perceber que a “árvore dos espíritos” que conecta o povo Na’vi com Eywa, a sabedoria dos ancestrais – e representa o núcleo de uma floresta que “tem mais conexões que o cérebro humano” (frase da cientista botânica interpretada por Sigourney Weaver, mas que bem poderia ser atribuída a McKenna) -, trata-se de uma analogia com o “cipó dos espíritos” que ele acaba de condenar em público. Outra personagem do reino vegetal no filme, a gigantesca árvore que serve de lar para o povo de pele azul, tem em seu centro oco uma estrutura de raízes que sobe em espiral, como uma escada, em forma de hélice dupla, o formato do DNA e – pasmem – também o formato do cipó mariri, uma das metades que compõe a temida bebida “alucinógena” (ainda sobre o DNA, Francis Crick, Prêmio Nobel e descobridor do “segredo da vida”, era usuário assumido de LSD para “pensar criativamente”. Kary Mullis, Nobel de Química em 1993 por inventar o PCR, o método mais comum de se detectar e trabalhar o DNA, coroou a questão: “Se eu teria inventado o PCR se não tivesse tomado LSD? Duvido.“).

De qualquer forma, como diz o jornalista israelense Ido Hartogsohn num ótimo artigo sobre o filme (em inglês), “os blockbusters e filmes de ficção científica funcionam como uma sombra jungiana de nossa visão racional e materialista da realidade” (Jung alertava que o mundo moderno conta em demasiado com a ciência natural e o positivismo lógico, e que poderia se beneficiar ao integrar espiritualidade e apreciação de domínios inconscientes). Por esta perspectiva, o texto terrorista, repleto de positivismo lógico simplista e pseudo-ciência cartesiana como “atua nos sistemas cerebrais reguladores da produção e absorção, pelos neurônios, de serotonina, dopamina e noradrenalina” (tentando colocar o mundo numa caixinha, ou reduzir as cores a uma lógica em preto e branco) serve apenas como um retrato de que ainda temos um longo caminho a percorrer para evoluir o nível do debate científico na mídia deste país.

trecho de obra do pintor ayahuasqueiro Pablo Amaringo e o mundo bioluminescente de Avatar

Enquanto isso, Cameron conquista o mundo. O diretor disse em entrevista que queria fazer um novo Guerra nas Estrelas. Mas pouca gente captou a mensagem nas entrelinhas. Ele não queria apenas produzir um clássico universal de ficção científica, ou um blockbuster lendário. Era mais do que isso. Era provocar uma revolução de paradigmas pelo inconsciente. A mística que se forma em torno destes filmes não gira apenas em sua eficiência como entretenimento, mas por serem veículos de expressão dos nossos “sombras jungianas”, abusando de referências culturais e arquétipos do mito primordial (“Os mitos estão perto do inconsciente coletivo e por isso são infinitos na sua revelação” – Joseph Campbell), além de interesses contemporâneos, como o movimento ecológico, a guerra pelo petróleo, o poder das grandes corporações etc.

A “força” dos filmes de George Lucas não é muito diferente de Eywa, que não é muito diferente da visão indígena sobre a natureza. E o fato do mestre jedi se chamar Yoda, que lembra Yoga, também não é coincidência. Assim como o fato de os Na’vi terem uma feição humana-felina (os gatos são considerados animais altamente espirituais) e pele azul (já ouviu falar nas crianças índigo?), também não ser à toa. Apesar de supostamente terem sido inspiradas em montanhas da província de Hunan, na China, para quem já foi à cidade sagrada de Machu Picchu e subiu a montanha de madrugada, antes do sol nascer (prática comum entre mochileiros), sabe que a visão grandiosa que se tem lá de cima, com os picos ao redor emergindo por cima das nuvens e da neblina da manhã, lembra muito as montanhas flutuantes de Avatar. Realidade e ficção se misturam.

o cipó Banisteriopsis Caapi e a casa-árvore dos Na'vi, cujo interior se entrelaça em formato de hélice dupla

O pressuposto básico do filme, o de se poder migrar entre realidades distintas, é lugar comum entre adeptos do uso de enteógenos (o túnel luminoso psicodélico que leva o personagem de Jake Sully ao corpo de seu Avatar ilustra esta passagem). Parafraseando uma entrevistada do filme Vine of the Souls, de Richard Meech (ainda em produção), “Uma coisa é intelectualizar algo. Outra completamente diferente é tocá-lo, e experimentar outras energias maiores que são inteligentes”. O coração espiritual da história de Avatar está na relação dos nativos com uma planta/árvore sagrada, que representa Eywa, a entidade mística inteligente, divina, ou “uma rede de energia que flui por todos os seres vivos”. Eywa. Aya. Gaia.

Ayahuasca.

Documentários de interesse sobre o tema:

DMT – The Spirit Molecule, de Mitch Schultz e Rick Strassman, 2010 (em produção),

A Perfect Pill, de Oliver Hockenhull e Mark Archbar (“A Corporação”), 2010 (em produção),

Vine of the Soul, de Richard Meech, 2010 (em produção),

Manifesting the Mind, de Andrew Rutajit, 2009,

A Inquisição farmacrática, de Jan Irvin e Andrew Rutajit, 2007,

Xamãs da Amazônia, de Dean Jefferys, 2002,

Outros Mundos, de Jan Kounen, 2000.

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Pablo Amaringo 1943 – 2009

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Xamanismo

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