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Uma guerra anunciada – sexta na Cúpula dos Povos Rio+20

Notícia fresquinha sobre um novo documentário, independente, e financiado coletivamente sobre a polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte. Ele dá voz aos povos da região e aborda alternativas e mostra a dura realidade do impacto causado pela obra narrado pelas pessoas que estão acompanhando bem de perto a série de manobras políticas, jurídicas e desrespeitos que fazem parte desta história, como já foi relatado neste post do Plantando. Não sou dos mais radicais, e acho até que pensar em usinas hidrelétricas é uma evolução, considerando as  opções antigas baseadas na queima de combustível fóssil. Só não aponta para o futuro, e nos dias de hoje acaba sendo uma opção bem dentro da zona de conforto e que não considera seriamente questões ambientais estratégicas que estão relacionadas. Vim recentemente do TEDxRio+20 onde José Cordeiro, da Singularity University (uma joint-venture entre Google e NASA) falou da possibilidade real de uma matriz energética baseada em energia eólica e solar, e na transmissão wireless de energia elétrica englobando o  planeta inteiro até 2040. É para este futuro que deveríamos apontar, principalmente se o Brasil quer assumir de fato sua posição de liderança internacional.

Enquanto esta realidade não se materializa, ainda falta um tanto de gente acreditando junto, lembremos que toda ação vem de uma tomada de decisão, e que está baseada em valores e crenças. Se continuarmos acreditando que está tudo bem, e que somos imortais, e que o planeta dá um jeito, e vivermos negligenciando o impacto negativo dos valores egoístas da nossa sociedade, a coisa não vai pra frente. Temos que mudar de perspectiva e atualizar nossos valores para uma sociedade que inclua mais, que ouça mais, respeite mais e não tenha vergonha do amor. A si próprio e aos outros ao seu redor, estamos todos conectados.

O filme fala um pouco disso, tendo como fundo a história de Belo Monte, que já vem de longa data (as notícias começam em 1989, com uma “declaração de guerra” kaiapó à Eletronorte. E você pode assistí-la na íntegra aqui . Não é formidável?

E o fato de ter sido financiado coletivamente dá uma ideia clara da importância do tema para a população brasileira. Foram R$140 mil saídos dos bolsos da população. Fenomenal não é? É um grito de “Queremos saber a verdade!”. E ela está dita em Letras Garrafais neste longa. Creio que terá um impacto ainda maior do que o discurso de James Cameron. Vamos assistir, divulgar e compartilhar.

Um ponto importante de argumentação: para Belo Monte produzir a quantidade de energia que a justifique, serão necessárias várias outras barragens, alagando uma area muito superior a que está sendo declarada. E obviamente a primeira usina vai abrir o precedente. O autor e diversos estudiosos e autoridades entrevistadas fazem a previsão de que o argumento da necessidade de novas barragens será trazido à tona somente depois de alguns anos da construção da barragem inicial.

De novo, os valores, quem está decidindo por quem?

Um breve relato do filme segundo o diretor André D’elia:

“A primeira ideia era escrever um roteiro de ficção sobre a Amazônia. Depois de uma expedição pela floresta — e a constatação de que a Amazônia não é tão simples quanto parece —, a ideia passou a ser fazer uma pesquisa filmada. Após três anos, 120 horas de filmagens e R$ 140 mil angariados em uma grande vaquinha pela internet, o projeto finalmente saiu do papel. E em uma data propícia. O documentário “Belo Monte – Uma Guerra Anunciada”, sobre a usina hidrelétrica que está sendo construída no Pará, estreou no último domingo, com exibição no auditório Ibirapuera, em São Paulo, em meio às discussões sobre meio ambiente promovidas pela Rio+20.”

Na próxima sexta, dia 22 de junho o filme será exibido na Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo como evento da Rio+20. Quem tiver afim… por favor, chega mais!

“No Rio ou em São Paulo, as pessoas acham que conhecem a Amazônia, acham que sabem o que está acontecendo lá, mas não sabem. Muita coisa não está sendo dita. Para entender a questão é fundamental ouvir os povos que vivem lá e saber o que está por trás do projeto” ressalta André.

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O RIO

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A amazônia dentro de cada um de nós

Em meio ao bem vindo boom que ganhou a discussão sobre Belo Monte com a entrada do movimento gota dágua, estrelado por famosos atores da TV brasileira, o filme ao final deste post, produzido por Bernardo Loyola e Felipe Milanez, nos desperta de forma profunda para o que está acontecendo de verdade na Amazônia. Estamos vivenciando a última etapa de um processo que tem suas origens na chegada dos Europeus nestas terras. Um processo de “desenvolvimento” e “progresso” tocado, ontem e hoje, com muito trabalho escravo (1), assassinatos (2), genocídios de etnias e culturas (3) vistas pela arrogância ocidental, branca e patriarcal como primitivas e ultrapassadas e um constante biocídio de milhões de espécies vivas que co-habitam Gaia conosco (4) – vistas apenas como objetos, ou no melhor dos casos, alimentos – e outras tantas já extintas que poderiam ainda estar aqui. Não está em jogo apenas quantos KiloWatts de energia Belo Monte pode produzir ou quanto custariam investimentos similares em energia solar e eólica (5), quantos bilhões serão gastos (6), quanto o PIB vai crescer (7), quantos sairão da linha de pobreza nos próximos poucos anos (8), quantos índios de fato não sobreviverão aos impactos da obra (9) e quantos trabalhadores serão submetidos a péssimas condições de trabalho (10).

O que está em jogo é uma tensão fundamental em nossa psique. Como brasileiros, como seres humanos, como terráqueos, está em jogo se seremos capazes de deixar de lado esse modo de vida predatório – virulento, como bem definido no clássico Matrix – para nos tornarmos algo mais harmônico e integrado com a natureza, de onde viemos e que nos mantém vivos. Se seremos capazes de nos tornar uma espécie sábia e diferenciada das demais justamente por nossa consciência em potencial – e que portanto reconhece os limites do planeta e tem a humildade de não querer tudo para si. Mas tem a esperteza de aproveitar o melhor da tecnologia e desenvolver uma sociedade eficiente, que pouco desperdiça, que faz mais com menos. O que está em jogo é se continuaremos colonizando esta Terra com a mentalidade ocidental, materialista, patriarcal, industrial, bélica, poluidora, gananciosa e predominantemente monoteísta. Psique essa que agora sofre duramente as consequências iniciais, justamente no território de sua origem, dos limites impostos pelas atividades empreendidas por suas atitudes arrogantes de “donos do planeta”. Atitudes de uma pretenção irreal e (aparentemente) irrefreável de ter crescimento material infinito num planeta redondo. Ou se teremos a coragem de admitir erros do passado e pensar o futuro não com a consciência obnubilada, enxergando apenas alguns poucos anos de consequências imediatistas, mas pensando em décadas e gerações que estão por vir, com uma consciência que pode (e quer) florescer, se expandir, se diversificar. Está em jogo se seremos capazes de criar uma sociedade minimamente hábil para lidar com os complexos desafios de um mundo com estimados 9 bilhões de habitantes até 2050. Em termos profundos, está em jogo se seremos capazes de nos alinhar à vida, de sermos biofílicos, ou se continuaremos propagando este modo biocida de existência que, em última análise, levará nós mesmos à total ruína. O que está em jogo é se vamos nos despedir dos aspectos ruins da cultura do passado, que já não nos servem mais – como outrora serviram – e abraçar uma nova cultura que faz muita força para nascer. O que está acontecendo na Amazônia é, em termos simbólicos Campbellianos (11) e na prática real e cruel, o que foi brilhantemente narrado no recente épico-mitológico Avatar.

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

veja em tela cheia aqui

(1) O observador do Brasil no Atlântico Sul

(2) Assassinato de ativista no Pará

(3) Chacina contra os Guarani-Kaiowá

(4) Patrocinador e vítima da sexta grande extinção de formas de vida na Terra

(5) Indústria Brasileira reclama dos custos da energia

(6) O custo de Belo Monte

(7) Belo Monte sustentará alta do PIB

(8) Amazônia ainda vive na pobreza

(9) Indígenas não precisam ser consultados

(10) Cento e cinquenta funcionários demitidos após protestos em Belo Monte

(11) O Poder do Mito

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A história da crise

Dos mesmos produtores do famosíssimo “A história das coisas“, e das sequências sobre a água engarrafada, credito de carbono, eletronicos etc, foi lançado hoje “The Story of Broke”. Por enquanto apenas em inglês

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Pare Belo Monte

Hoje, 17 de outubro de 2011, após o voto da relatora Selene Almeida a favor da interrupção das obras da construção da hidrelétrica de Belo Monte, um desembargador de sobrenome Deus (ironia?) “pediu vista”, e a justiça, mais uma vez, parou. Tem coisas que são de difícil compreensão nesse país. Pra entender melhor a polêmica sobre a obra, enquanto o processo fica parado cerca de 15 dias (segundo os otimistas) acompanhe a aulinha resumo abaixo, feita pela Procuradoria da República no Pará.

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Belo?

Talvez a questão mais importante dos anos Dilma no Brasil, a se refletir por séculos, seja a construção (ou não) da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Xingú (em Altamira, PA). A obra, planejada antes mesmo dos anos FHC, perpetua um modelo energético centralizado e devastador ao ambiente. A obra mal começou (o IBAMA inventou e concedeu “licensa parcial” e portanto já está sendo devastada floresta para criar o canteiro de obras) e já acumula inúmeras irregularidades políticas, jurídicas e sociais que apontam para um atropelo da constituição, da lei, das pessoas e da natureza. O último estudo de impactos ambientais levantou 40 (!!!) itens alarmantes. Quarenta cientistas reportaram 280 páginas sobre o projeto, que foram ignoradas. 560 mil assinaturas contra a obra foram entregues, mas sem efeito qualquer junto ao governo. Vinte e quatro culturas indígenas que congregam milhares serão devastadas pela usina, ao contrário do que declara a própria presidenta, que faz um jogo delicado e sutil de palavras: na constituição, alagar territórios não faz parte do conceito de atingir indígenas. Tudo isso em prol de um modelo energético duvidoso, que já produz energia elétrica em excesso e desperdiça absurdos e de um desenvolvimento econômico muito questionável. Se não bastasse, a obra não é isolada, mas parte de um plano de mais 60 usinas naquilo que hoje ainda é floresta.

Um recente documentário brasileiro com parceria espanhola traz a tona a voz dos ignorados que de fato vivem na região e serão devastados pela obra:

No dia 20 de agosto, sábado próximo, haverá ato global contra a obra, que simboliza uma luta de 30 anos. Participe, informe-se, contribua!

infos deste breve e emergencial post foram obtidas pelo @plantando no debate de segunda-feira, dia 15/08/2011, organizado pelo @salveafloresta na @casajaya, com participação de Aline Arruda (Advogada ambiental), Verena Glass (Jornalista – Xingu Vivo), Sanny Kalapalo (Etnia Kalapalo – Pró-Xingu), Célio Bermann (Professor da Pós graduação do Instituto de Eletrotécnica e Energia – USP), Rodrigo Guim (Ecólogo e Antropólogo), André Amaral (Biólogo, Mestre em Ciências Ambientais) e Flávia Cremonesi (Bióloga e Designer em Sustentabilidade e Permacultura), obrigado!

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O retorno de Gojira

No início, nada existia.
Apenas escuridão e silêncio.
Só existiam os criadores.
O Coração do Céu e o Coração da Terra.
De repente surgiu a aurora e a claridade se fez.
Apareceu a Terra com suas montanhas e árvores.
Depois, os animais foram criados, todos os tipos de animais.
E eles deveriam venerar os deuses, mas eles eram incapazes de falar.
Foi então que os primeiros seres humanos foram criados.
E eles foram feitos de barro.
Mas essas pessoas não ficaram boas.
Elas não tinham sentimentos, nem capacidade de entender.
E não louvavam os deuses.
Não tinham forças e não podiam se mover.
Então os deuses destruíram essas pessoas com uma enorme tempestade.
Na segunda tentativa, os deuses criaram homens de madeira.
Da madeira entalharam suas faces. Da madeira fizeram seus corpos.
E pareciam com seres humanos.
Eles se reproduziram e povoaram a Terra com seus filhos e filhas.
Mas os seres de madeira seguiam sem rumo.
Eles cortavam as árvores, matavam animais e destruíam o meio ambiente.
Eles não possuíam alma ou compreensão.
Eram destrutivos e não louvavam os deuses.
Então, a morte foi lançada sobre eles.
Choveu o dia todo e a noite toda.
E eles foram exterminados por uma enorme enchente.
Na terceira tentativa, o Coração do Céu criou seres humanos de milho.
Esses seres foram colocados na Terra e eram capazes de compreender e ver tudo que os cercava.
Eram capazes de enxergar longe e ver coisas que estavam escondidas.
Estavam conectados a todo o cosmos e viviam em equilíbrio com o mundo natural.
Mas os deuses perceberam que haviam dado poderes demais aos humanos.
Então, sopraram uma névoa sobre seus olhos.
Com a visão limitada, os seres humanos de milho caminharam sobre a terra e se reproduziram.
Lentamente, eles se distanciaram do mundo natural.
Esqueceram-se de como louvar os deuses e respeitar a Natureza.
O ciclo do tempo, a era dos seres de milho está chegando ao fim.
Haverá uma nova era para os seres humanos na Terra?

“Todas as condições meteorológicas estão levando a radioatividade para o mar, sem implicações para o Japão ou outros países próximos” – Maryam Golnaraghi, coordenadora do programa de redução de riscos em desastres nucleares.

A antiga profecia maia, que abre este texto e também o documentário 2012 Tempo de Mudança (que o Plantando Consciência trouxe  para São Paulo no final do ano passado e que deve entrar em circuito nacional este ano), se encaixa na tragédia japonesa como o sapatinho de cristal no pé de Cinderela. E cabe também como resposta à miopia implícita na frase de Maryam Golnaraghi1,que revela o quão alienado é o senso comum. Olhamos para tudo o que acontece sempre do ponto de vista antropocêntrico, como fossemos de fato o centro do mundo, alienados da grande “teia de aranha” que conecta tudo o que existe, inclusive cada um de nós.

Por isso, quando a natureza se torna este poder primitivo indomável, que já deveríamos ter subjulgado com o nosso inegável progresso científico-tecnológico, nós mergulhamos num poço de incompreensão e angústia. “Como?”, o homem civilizado se pergunta. E de seu ponto de vista dualista e estritamente materialista, que separa a natureza – esta força devastadora – de nós – a civilização -, o homem civilizado fica aliviado de saber que a radiação esteja sendo levada ao mar. Melhor lá com eles do que aqui entre nós.

Os jornais usam títulos como “Natureza em Fúria”, e em seus editoriais concluem derrotados que “por mais bem preparado que esteja um país e por mais bem treinada que esteja sua população, é limitada a capacidade humana para conter os efeitos das catástrofes naturais”2. Ou, “a situação do Japão, que pertence ao grupo das nações mais ricas e mais tecnologicamente avançadas do mundo, fornece um clássico exemplo de como os humanos ainda estão desamparados em face da fúria da natureza”3.

O que esta visão antropocêntrica materialista não quer ver é que o ser humano SEMPRE será desamparado em face da “fúria da natureza”, porque o ser humano PERTENCE à natureza. O ser humano não dominou a natureza e jamais o fará, porque no dia em que isto acontecer estaremos condenados a perecer com ela.

Pra entender o que está acontecendo, ou pra evitar consequências drásticas toda vez que a natureza manifestar sua força, não adianta construirmos computadores mais impressionantes, ou nos protegermos ainda mais. Este viés moderno que joga a civilização contra a natureza é uma ilusão que carregamos desde o início da Idade Moderna, como nos conta o filósofo e reformista Rudolf Steiner, que teria completado 150 anos em Fevereiro último.

A Idade Moderna, que teve início em meados do século XV com o Renascimento, é definida, segundo Steiner, a partir de quando “o economista começou a emergir na civilização moderna como o tipo representativo de governante”4, substituindo o clero, que havia substituído, por sua vez, os “iniciados” do Egito, Babilônia e Ásia antigos. Estes últimos, os povos ancestrais, “sabiam que seu corpo era constituído não apenas de ingredientes que existem aqui na Terra e que são incorporados nos reinos animal, vegetal e mineral. Ele sabia que as forças que ele via nas estrelas acima trabalhavam em sua existência como humano, ele se sentia um membro de todo o cosmos.”5

Steiner, sempre à frente de seu tempo, tinha uma observação perspicaz a nosso respeito. “O pensamento humano de hoje – o presente intelecto – vive num estrato da existência de onde não se é possível alcançar as realidades profundas. Alguém pode então provar alguma coisa estritamente, e também provar seu oposto. É possível hoje se provar o espiritualismo de um lado e o materialismo de outro. Pela racionalização intelectual ou científica de hoje, alguém pode provar qualquer coisa tão bem quanto pode provar seu oposto. E as pessoas podem brigar uns com os outros por pontos de vista igualmente bons, porque seu intelecto está numa camada superior da realidade e não consegue descer para as profundezas da existência.”6

Se estivéssemos todos capacitados a descer às profundezas da existência, entenderíamos a catástrofe japonesa não como uma fatalidade, mas como consequência.

Gojira

A vida imita a arte: Em 1954, nove anos depois de Hiroshima e Nagasaki, Ishirō Honda expressa o trauma generalizado das bombas atômicas ao criar Gojira (depois renomeado no mercado americano para Godzilla), um filhote bastardo dos testes nucleares no Pacífico, que tem a dorsal brilhante, cospe fogo atômico e deixa pegadas radioativas.

O jornalista Clóvis Rossi conta em interessante artigo sobre as conexões “fáusticas” do incidente japonês (fazendo analogia entre o pacto com o demônio que fez o personagem do mito imortalizado por Goethe, e a nossa perigosa barganha para obter o poder do átomo em nossas mãos) que, mesmo após o pânico nuclear, “Michael Levy, pesquisador-sênior do Council para energia e meio-ambiente, dizia ser cedo demais para uma avaliação sobre a eventualidade do retrocesso do que antes se chamava de ‘renascença do nuclear’”7. Claro, há muito dinheiro em jogo na indústria da energia nuclear, assim como há na indústria dos transgênicos, dos pesticidas, da extração de petróleo, da especulação financeira, das armas, do tráfico de drogas etc etc. Pela lógica intrínseca do capitalismo, estes problemas jamais serão resolvidos, pois eles são o próprio alimento para a continuidade alucinada do sistema.

Em contraste com a ciência natural, que é baseada na análise experimental causal, Goethe – uma das maiores influências no pensamento de Steiner – procurava a unidade universal da natureza. No fenômeno original  da natureza ou nos arquétipos dos mundos vegetal e animal, ele descobriu uma seqüência de manifestações de conteúdo espiritual para os quais o homem é capaz de dar expressão deliberada em seu próprio microcosmo.8

Steiner parte de Goethe para construir sua própria cosmogênese. Ele acreditava que o pensamento manifesto em idéias é na verdade a essência do universo. O físico quântico Amit Goswami, um século depois, reverbera as teorias de Stenier ao chamar isto de “causação descendente”, ou seja, em vez de pensar na matéria  como base da existência, a física quântica parte da premissa que a base de tudo é a consciência. Voltando a Steiner, um esforço deliberado de cognição resultaria em constante progresso em direção à “fundação do mundo”.

Assim como nos primeiros escritores românticos, a crítica do criador da antroposofia para a modernidade busca a reconciliação entre ciência, religião e arte – uma nova mitologia cultural, se originando do aprimoramento do processo do pensamento até que ele se torne a experiência intuitiva do Conhecimento Original.9

À época do tsunami asiático de Dezembro de 2004, que atingiu áreas de reserva ecológica, a falta de corpos de animais após o início das buscas espantou as equipes de resgate. Desde então a idéia de que os animais teriam um “sexto sentido” que os teria mandado fugir em tempo começou a circular pela internet. A história está começando a circular de novo, e não vale dizer que é fruto de crendice em bobagens paranormais. Os animais, diferentes de nós, estão conectados de forma integral com a natureza, em completa simbiose com a inteligência oculta de Gaia. Eles sentem com aqueles sentidos primitivos que nós desligamos desde que nos tornamos civilizados.

Assim, desconectados, nós choramos a devastação provocada na humanidade pelas forças da natureza e, incapazes de perceber o pacto faustiano que fizemos com o “demônio atômico”, choramos também pelas atrocidades e fatalidades do passado, como Hiroshima e Nagasaki, Chernobyl. Nós choramos toda vez que vidas humanas são ceifadas. Mas quem chorou pelas 2053 explosões nucleares a título de “teste” detonadas por 7 nações sobre e sob o solo do nosso planeta entre 1945 e 1998 (1032 delas apenas pelos EUA)?

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.
Veja este belíssimo mas assustador mapa temporal das explosões feito pelo artista japonês Isao Hashimoto

Desde 1963 explosões submarinas e atmosféricas foram banidas, então a grande maioria destas explosões foram subterrâneas. Estaria Gaia, nosso planeta mãe, revidando mais de meio século de agressões nucleares em seu tecido subcutâneo? Chamando nossa atenção para o nosso próprio histrionismo? O que o seu corpo faria se você constantemente o cutucasse com uma brasa de cigarro, machucasse sua pele com micro cargas atômicas localizadas por anos? Alguma doença cutânea, matando milhares de células localizadas? Câncer de pele?

As analogias não são meras metáforas. É tarde pra continuarmos nos iludindo. O micro, o macro, tudo funciona como um padrão. A forma espiralada do DNA se repete nas galáxias, tudo segue uma lógica inteligente. Os resultados de nossas ações são inevitáveis nesta realidade entrelaçada, e enquanto nossas ações forem destrutivas, as consequências também o serão. Apenas colhemos o que plantamos. Nós podíamos plantar consciência, mas  plantamos energia atômica no solo por mais de meio século, e agora, sem querer desmerecer os esforços humanitários em prática, não devíamos estar surpresos quando percebemos que chegou a hora da colheita.

1 Folha.com, Ventos levam radioatividade de usina no Japão para o Pacífico, 15/03/2011
2 O Estado de São Paulo, editorial da edição de 16/03/2011
3, 7 Clóvis Rossi (Janela para o Mundo), O Japão, Fausto e o átomo, 14/03/2011
4, 5, 6 The Ahrimanic Deception, Lecture by Rudolf Steiner (Zurich, October 27, 1919).
8, 9 Heiner Ullrich, Rudolf Steiner (1861-1925), originally published in Prospects: the quarterly review of comparative education (Paris, UNESCO: International Bureau of Education), vol.XXIV, no. 3/4, 1994, p. 555-572.

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Reflexão sobre o belo monte

Em tempos em que querem a todo custo acelerar o já acelerador PAC e construir coisas como a usina hidrelétrica de Belo Monte, atropelando demais interesses e necessidades de todos os seres vivos, relembrar as palavras do Cacique Seattle ao presidente norte-americano em 1852 é uma prática meditativa profunda que pedimos ao maior número de pessoas que façam. Se possível, que isto chegue à mesa de nossa primeira presidenta e de seus demais colaboradores neste processo:

“O presidente em Washington manda dizer que deseja comprar a nossa terra. Mas como você pode comprar o céu, a terra? Essa idéia é estranha para nós. Todas as partes dessa terra são sagradas para meu povo. Cada agulha brilhante de pinheiro, cada grão de areia da praia, cada névoa na floresta escura, cada arbusto é sagrado na memória e na experiência do meu povo. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs. O urso, o veado, a grande águia, são todos nossos irmãos. Cada reflexo na água cristalina dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida de meu povo. O murmúrio das águas é a voz do pai do meu pai.  Os rios são nossos irmãos. Eles carregam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se vendermos nossa terra a vocês, lembrem-se de que o ar é precioso para nós e compartilha seu espírito com todas as formas de vida que ele sustenta. O vento, que deu a nosso avô seu primeiro alento recebe também seu último suspiro. Isto nós sabemos. A terra não pertence ao homem. O homem pertence à terra. Todas as coisas são interligadas, como o sangue que une a todos nós. O homem não tece a teia da vida. Ele é apenas um fio dela. O que quer que faça à teia, fará com si mesmo. O destino de vocês é um mistério para nós. O que acontecerá quando todos os búfalos forem abatidos? O que acontecerá quando os recantos sagrados da floresta estiverem tristes com a tristeza de tantos homens? Quando a vista das colinas verdejantes se macular com os fios que falam? Será o fim da vida e o começo da sobrevivência. Quando o último pele-vermelha sumir com a natureza selvagem e suas memórias forem apenas sombras de uma nuvem sobre a planície, essas praias e florestas ainda estarão aqui? Terá sobrado algum espírito do meu povo? Amamos essa terra como o recém nascido ama as batidas do coração de sua mãe. Então se vendermos a vocês nossa terra, amem-a como nós a amamos. Cuidem dela como nós cuidamos. Preservem na mente a memória da terra como ela estiver quando a receberem. Preservem a terra para as crianças e amem-na como Deus ama a todos nós. Uma coisa que sabemos é que só existe um Deus. Nenhum homem, branco ou vermelho, pode viver isolado. No final das contas somos todos irmãos.”

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Sr V.

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Os Deuses em Pessoa

Em 1972, o escritor de ficção científica Isaac Asimov publicou o que ficou conhecido como o seu livro mais querido, O Despertar dos Deuses (The Gods Themselves no original, que seria melhor traduzido como “Os Próprios Deuses”, ou “Os Deuses em Pessoa”).

O livro narra, com base no estudo das leis da física (ao contrário da ciência inventada da ficção científica comum), a descoberta de uma forma de intercâmbio de matéria entre o nosso universo e um universo paralelo, povoado por seres mais avançados (que seriam os deuses do título). Esta troca produz uma forma de energia limpa e abundante para ambos os lados, olha que beleza, livrando nosso planeta da dependência da energia suja e trazendo o progresso e civilização a níveis mais elevados.

No entanto, a brincadeira mexe com a carga nuclear de ambos os universos, esfriando o já pequeno sol do universo paralelo – sem graves conseqüências -, e esquentando o nosso sol, transformando-o progressivamente numa supernova, que pode explodir e acabar com a vida no nosso lado. Tudo isso sem que a população da Terra se dê conta – apesar dos insistentes alarmes de um dos principais protagonistas da história, um físico marginalizado pela comunidade científica -, porque o povo vive deslumbrado com a nova forma de energia e já não quer abrir mão de tamanho progresso e estilo de vida.

Pressupõe-se na história – uma vez que os bizarros seres do universo paralelo são mais evoluídos que nós – que os “deuses” em questão também perceberiam este risco (e eles o fazem), interrompendo esse intercâmbio em prol da vida, para salvar o nosso universo da extinção. No entanto, os deuses nunca são tão bacanas como a gente quer acreditar. A questão moral não é mais forte do que o interesse destes seres por uma fonte inesgotável de energia para si. É uma analogia com a vida real, claro, e com o abismo entre a consciência individual e os objetivos “maiores” das instituições superiores que nos governam.

Dividido em 3 partes distintas, o livro parte da premissa de que “contra a estupidez, os próprios deuses disputam em vão” (frase do filósofo alemão Friedrich Schiller, 1759–1805). Não é à toa que o autor dedica o livro à humanidade, e “à esperança de que a luta contra a estupidez seja finalmente vitoriosa”.

A segunda parte da história, que relata a vida dos seres paralelos, é a mais complexa e provavelmente genial da obra, pois relata de forma absolutamente singular como três seres promissores, com inteligência e percepção acima da média, acabam se tornando o maior inimigo de seus ideais, a própria instituição contra a qual eles resistiam. As analogias são inúmeras. Mas o que ressalta é o dilema de consciência que acompanha o progresso científico, o cabo de guerra desequilibrado entre conviccões morais e os interesses de nações ou instituições de poder, cujo exemplo mais famoso é Robert Oppenheimer, o “pai da bomba atômica”, que teria dito que “Com uma espécie de crueza de sentidos, a qual nenhuma vulgaridade, humor ou exagero poderia extinguir, os físicos conheceram o pecado, e esse é um conhecimento que eles não poderão perder”.

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