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Ainda vai ser proibido proibir o que não se pode proibir

Recentemente houve a polêmica publicação de um adendo à “Controlled Substances Act“, lei dos Estados Unidos que define quais substâncias são ilegais no país, e consequentemente influenciam o status destas substâncias em todo o mundo. Neste adendo, pelo que se tem notícias pela primeira vez, substâncias foram classificadas como ilegais baseadas em seu mecanismo de ação farmacológico. No texto do adendo consta que “agonistas canabimiméticos” ficam sendo proibidos… hein? Alto lá! Além de serem encontrados em plantas, como por exemplo na maconha ou haxixe, os agonistas canabinóides também estão presentes em diversos tipos de animais, e inclusive no nosso próprio organismo.

video com legendas em português e inglês, basta clicar play e depois no “CC”

Hoje algumas plantas são proibidas, o que me parece estranho visto que elas são parte da própria natureza. Mas alguém já pensou em proibir animais? Por exemplo, o baiacu é um peixe altamente venenoso que existe em abundância no litoral brasileiro. Não há dúvida de que traz risco, pois porta uma toxina altamente potente e mortal em seus órgãos interno. Mas ainda assim, algumas pessoas fazem uso de baiacu, e se deliciam com isto. Já imaginou proibir o baiacu porque ele potencialmente faz mal? Como se executa uma lei desse tipo?

Faz sentido que este belo baiacu seja "proibido", já que produz uma toxina mortal? Dica com importância de saúde pública, como limpar um baiacu, clique na foto.

Sim, no meu, no seu e no nosso organismo existem pelo menos 5 agonistas canabinóides. No cérebro, por exemplo, os agonistas canabinóides endógenos (endocanabinóides) são responsáveis por diversas funções importantíssimas para nossa saúde, incluindo regulação de temperatura, controle de processos inflamatórios, indução de fome, manutenção de humor, entre outras. Além do que agonistas canabinóides são responsáveis pelos efeitos terapêuticos, já reconhecidos em algumas preparações, como o Bedrocan, maconha medicinal vendida em farmácias da Holanda, e o extrato padronizado Sativex, comercializado em diversos países da Europa e no Canadá.

Com uma leitura mais atenta, percebe-se que a intenção do documento é estender a proibição a certas substâncias sintéticas com classe química definida. Ah tá… (muito embora, eu continue achando estranho pois o Marinol, um THC sintético, é liberado para uso terapêutico pelo FDA dos Estados Unidos já faz mais de 20 anos).

Esta manobra de proibição de agonistas canabinóides sintéticos é muito provavelmente uma reação ao recente aumento da venda de uma nova droga de rua chamada de “Spice” em terras estrangeiras, e que se descobriu, inclui (mas não se restringe a) canabinóides sintéticos. (Para saber mais)

O que pouco se comenta, no entanto, é que o aumento na variedade de substâncias sintéticas da classe canabinóide é uma consequência direta da proibição dos derivados naturais da Cannabis, que sempre foram os “preferidos” pelos usuários. Ou seja, é a mesma estratégia de proibição sendo utilizada para remediar os efeitos colaterais dela mesma. Não lhe parece um equívoco?

Se seguirmos nesta toada, proibindo ponto a ponto cada substância que se invente dentro de uma classe farmacológica, o desperdício de tempo e recursos, será imenso, pois é inevitável que novas substâncias sejam criadas de tempos em tempos, dada a vasta criatividade humana, em especial quando estimulada pelo alto preço dos miligramas destas substâncias ilícitas. É inevitável que um dia alguém se canse e queira de uma vez “proibir tudo o que é canabinóide“.

Curiosamente, o sistema endocanabinóide está intrinsecamente ligado à capacidade adaptativa dos organismos; e nunca antes na história da humanidade uma mudança radical de comportamento foi tão necessária! Aos que continuam achando que os canabinóides são os vilões da história, e que apóiam a estratégia de “proibições seriais”, já aviso que a estratégia é um saco sem fundo. Melhor então partir para uma abordagem tecnológica e usar a engenharia genética para fabricar uma nova geração de bebês que não possuam os receptores canabinóides (onde as moléculas da maconha se ligam para agir) no corpo. Ih, melhor não dar idéia… isto já é possível em animais menores, como roedores, e se o nosso futuro for tão catastrófico e artificial como o do Admirável Mundo Novo de Huxley (livro em pdf), isto ainda pode acontecer.

Aproveite para comer buchada de bode, ela pode ser proibida num futuro próximo! (intestinos de bode, porco e outros mamíferos de corte naturalmente contém endocanabinóides)

Considero um grande erro tirar o fator humano da jogada, e considerar que as substâncias são simplesmente “boas” ou “más”. Afinal, é uma pessoa, em um determinado contexto econômico e social, em um determinado momento, que faz uso de uma substância. E não é só o que a substância faz na pessoa, mas principalmente o que a pessoa faz com a substância… Grandes obras culturais da humanidade foram criadas com estímulo dos psicoativos; dizem algumas teorias que até as religiões são invenções psicodélicas… Então porque nos últimos 50 anos há tanta perseguição e tanto medo da psicoatividade?

Como dizia o Robertão, parece que “tudo que eu gosto é proibido, imoral ou engorda“. Ou seja, talvez a idéia velada seja proibir tudo o que incomoda, perturba, tira do senso comum; usando as substâncias (que são tangíveis) para classificar e recriminar ideologias e atitudes (intangíveis), como uma espécie de censura farmacológica. Neste caso, porque não ir direto ao ponto e declarar que é “proibido utilizar, cultivar, vender ou difundir qualquer substância, artefato ou prática que gere prazer, alteração de estado emocional ou mental, e que induza o indivíduo a pensar ou se comportar de maneira diferente do grupo de indivíduos de maior poder político em uma determinada sociedade“.

Afinal, não é esse o resultado final da estratégia vigente?

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Maconha, Saúde e a Lei

O ocorrido: em noite até então pacífica, dezenas de estudantes se revoltam contra uma dúzia de viaturas e dezenas de policiais. Briga, violência, abusos, prejuízos diversos (que seguem aumentando numa avalanche desproporcional…)

O local: A maior e (ainda tida como) melhor universidade do país, a USP.

O (suposto) problema: Uma planta de uso milenar, com propriedades médicas e científicas valiosas e adorada para uso recreativo por milhares há muitos e muitos anos.

A lei (11.343/2006) resumida: Não se pode plantar, nem vender nem distribuir. Mas consumo próprio não é crime com punição por detenção, pois não oferece danos a terceiros.

Um detalhe da legislação, como nos alertou o jurista Walter Maierovitch: “Não pode o universitário ser objeto de presunção de criminoso, pela mera condição de universitário de cursos superiores”

“O pensamento há de ser livre, sempre livre, permanentemente livre, essencialmente livre”

Apesar das palavras claras do ministro do STF, Celso de Mello, em junho, após a PM paulista brutalmente avançar sobre população pacífica que exercia seus direitos constitucionais de livre expressão de idéias na Av. Paulista, a maconha continua sendo o alvo principal de uma política equivocada, que há mais de 40 anos traz mais prejuízos do que soluções. Se não bastassem os trágicos resultados da Guerra às Drogas, já considerada por uma conferência recente nos EUA como uma empreitada “fora de controle” (Reform Conference) e pelo ex-presidente FHC e uma comissão pluralista e multidisciplinar (Drogas e Democracia) como um equívoco que deve ser revisto urgentemente, a política intolerante de proibição arbitrária de algumas drogas está emperrando também a ciência e o avanço da medicina. SIM, isso mesmo. A maconha tem inúmeros potenciais medicinais e terapêuticos, sendo um deles inclusive o uso recreativo, que tem em sua base uma busca, mesmo que inconsciente, de minimizar tensões e estresses do dia a dia, ocorrências tão frequentes nas cidades atuais. Mais ainda onde reina uma política equivocada que não consegue estabelecer diálogos entre os diversos setores da sociedade nem mesmo dentro da universidade (!), apelando à uma organização militar para mediar o que deveria ser um dos pilares centrais da educação de qualidade: o diálogo franco e não-violento. Aos que se preocupam com a violência e demandam mais segurança, incluindo PM dentro da USP, ja praticamente dentro de salas de aula, vale lembrar que nesse rumo estaremos abdicando do mais importante de todos os preceitos democráticos: a liberdade.

Aquilo que te protege, também te limita.

A questão é ainda mais grave porque a PM brasileira é uma das mais violentas do planeta, e está sob sérios problemas de corrupção, sendo inclusive suspeita de assassinato de uma juíza e ameaças de morte a um deputado que teve de fugir do país, ambos do RJ. Coisas do pior nível de tempos nada democráticos. De maneira indireta, combina com um reitor que não foi eleito pela comunidade que atualmente representa na Universidade de São Paulo. Enquanto a guerra as drogas sai totalmente fora de controle, a corrupção policial aumenta, e aqueles que, assustados e amedrontados com a escalada da violência demandam segurança através de maior e mais equipado policiamento, não percebem que os supostos protetores de hoje podem se tornar os grandes abusadores de amanhã. Como há muito profetizou Alan Moore: “Quem vigia os vigilantes?

No intuito de contribuir com o diálogo democrático, a educação, a ciência, a medicina e a paz; e não menos importantemente de repudiar a violência, Plantando Consciência convida para a exibição do documentário “Esperando para fumar: Maconha, Saúde e a Lei” no dia 17/11, quinta-feira, as 20h no Cineclube SocioAmbiental – Sala Crisantempo (R. Fidalga 521 Vl Madalena). A entrada é colaborativa (ou seja, é de graça, mas vc pode levar coisas que esteja disposto a doar). Após o filme, teremos uma CONVERSA com Henrique Carneiro, Prof de História na FFLCH da USP, Renato Filev, doutorando da UNIFESP que estuda o sistema endocanabinóide – o sistema fisiológico natural que todos temos dentro de nossos corpos (até mesmo os PMs), onde atua a famigerada cannabis – e Maurício Fiore, doutorando em Ciências Sociais na UNICAMP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento); todos membros do NEIP – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos.

O filme aborda principalmente a história da maconha nos EUA, os tempos antes de sua proibição, a questão médica outrora e agora e abusos policiais que também ocorrem em terras gringas. A narrativa servirá de base de dados e pano de fundo para uma discussão mais ampla e extremamente pertinente à sociedade brasileira. Divulgue, compareça, participe e contribua!

Temos também DVDs legendados em português a venda, com exclusividade. Interessados que não puderem comparecer na exibição, por favor entrar em contato pelo plantando@plantandoconsciencia.org

E como o debate e a informação são essenciais, já fica o convite para o lançamento do livro “O fim da Guerra: A maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as drogas“, de Denis Russo Burgierman. Na Livraria da Vila (R. Fradique Coutinho 915) no dia 28/11 as 19 horas

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Cannabis Medicinal: Não lemos e não-gostamos?

Dando sequência aos debates sobre a maconha no país, em especial sobre a maconha medicinal, Plantando Consciência publica carta do maior especialista nacional no assunto, o professor da UNIFESP e especialista em psicofarmacologia Elisaldo Carlini que foi recusada pela Folha de São Paulo, mesmo veículo que tem publicado cartas de fortíssimo viés ideológico e repletas de ofensas pessoais a diversos pesquisadores brasileiros, assinadas por Ronaldo Ramos Laranjeira e Ana Cecília Petta Roselli Marques (veja um exemplo aqui).

Em Maio deste ano foi realizado o Simpósio Internacional: “Por uma Agência Brasileira da Cannabis Medicinal?” sob minha presidência, contando com a participação de cientistas do Brasil, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e Holanda, representantes brasileiros de vários órgãos públicos, sociedades científicas e numerosa audiência. Após dois dias de intensas discussões foi aprovado por unanimidade um documento recomendando ao Governo Federal a oficialização da criação da Agência Brasileira da Cannabis Medicinal.

Esperava uma discussão posterior, científica e acalorada, pois sabia de algumas opiniões contrárias à proposta. Entre estas o parecer do Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) cujos representantes compareceram apenas para apresentar seu parecer, ausentando-se totalmente, antes e depois, de todo o restante do simpósio.

Esta havendo sim a esperada discussão, veiculada principalmente através da Folha de São Paulo, mas num nível de entristecer. De fato, expressões como – “o dom de iludir”; “Lobby da maconha”; “Maconhabras”; “uma idéia fixa: a legalização das drogas”; “elementos com pretensa respeitabilidade”; “paixão dos lobistas”; “exemplo de indigência intelectual”; “querem maiores facilitações para o consumo”; “travestidos de neurocientistas”; – não se coadunam com a seriedade que deve prevalecer em qualquer discussão científica. Os autores de tais infelizes afirmações certamente não leram a celebre frase de Claude Bernard, o pai da medicina experimental: “em ciência criticar não é sinônimo de denegrir”.

Por outro lado, os contrários ao uso medicinal da maconha utilizaram de argumentos inverídicos (para dizer o mínimo) quando tentam criar uma atmosfera de pânico, desviando o foco da atenção (maconha como medicamento). Assim:

– Legalização da Maconha – O item 6 da carta do Simpósio diz cristalinamente: “o uso clínico dos derivados da Cannabis sativa L ou de seus derivados naturais ou sintéticos não pode ser confundido com o uso recreativo (não-médico) da planta”. Os autores das infelizes frases não leram, portanto, esta resolução.

– “O uso médico esta longe de receber aprovações de órgãos como a Agência FDA dos EUA”, dizem os autores das afirmativas.

Ora, um princípio ativo da maconha, o ∆9-THC, esta aprovado como medicamento por esta Agência desde a década de 1990, sendo o produto Marinol® produzido e utilizado nos Estados Unidos, e exportado para vários países há quase 20 anos.

Portanto, os autores de tal afirmativa também não leram nada a respeito. Mas não é só isso, pois a maconha e seus derivados também já têm aprovação para uso médico em países como Canadá, Reino Unido, Holanda e Espanha. A Ministra da Saúde da Espanha chegou a declarar: ao aprovar o seu uso para a Esclerose Múltipla: “O uso terapêutico da cannabis é estudado há anos, por isso existem testes clínicos e evidências científicas de sua utilidade em determinadas doenças”

– Dizem ainda os autores das frases: “O uso terapêutico da maconha não tem comprovação científica. Se recomendado negaria a busca da ciência… por produtos cada vez mais seguros”.

A Dra. Nora Volkow diretora do Instituto Nacional do Abuso de Drogas (NIDA) dos Estados Unidos declarou em Março deste ano a uma revista brasileira “Não existe droga segura”, o que é uma verdade, também para a maconha. Vem daí a necessidade de um médico estudar a relação risco/benefício de qualquer droga que prescreve. Por exemplo, segundo dados do FDA de 1997 a 2005 houve 196 relatos de suspeita de morte coincidente com o uso de antieméticos (uma indicação também aprovada para a maconha). Não houve nenhuma suspeita de morte pelo uso da maconha. Por outro lado a Dra. Valéria declarou também que os canabinóides têm algumas ações terapêuticas úteis como efeito antiemético, aumento do apetite em casos de câncer e AIDS, benefícios analgésicos e em glaucoma.

– A alegação de que “não precisamos que o Governo Federal crie, por meio de Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), uma agência para …..a maconhabras”

Primeiramente é preciso esclarecer que a SENAD é uma sigla para Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, conforme já aprovado há mais de três anos; portanto, os autores dos artigos na Folha de São Paulo não leram a respeito. É preciso ainda esclarecer que a SENAD não patrocinou e não auxiliou com qualquer quantia a realização do Simpósio. Por outro lado, por se ausentarem de quase todo o simpósio, não sabem que o solicitado na carta foi a “oficialização” à ONU do nome de Agência Nacional da Cannabis Medicinal; conforme enfatizado pelo INCB, órgão da ONU, em 2009. De fato, as leis necessárias para esta criação já foram aprovadas pela Lei 11.343 de 23/08/2006 e seu Decreto regulamentador nº 5.912 de 27/09/2006.

– “A maconha causa dependência” segundo os autores das frases. Ninguém nega esta propriedade indesejável da maconha, como também ocorre com muitos outros medicamentos. Mais uma vez cabe a análise da relação risco/benefício ao se utilizar os derivados da maconha ou de qualquer outra droga. Teriam os autores da frase opinião semelhante a muitos outros medicamentos que são fortes indutores de dependência como morfina e vários outros opiáceos responsáveis por milhares e milhares de casos desta reação adversa? Pretenderiam eles solicitar proibição de uso clínico destas drogas?

– “Até hoje há pouco estudos controlados, com amostras pequenas” e “o uso de terapêuticos da maconha não tem comprovação científica…”

Muita literatura médica precisaria ser lida para permitir afirmativa tão categórica. Existem já dezenas de livros e centenas de artigos científicos publicados sobre as propriedades medicinais da maconha. Por exemplo, em duas extensas revisões recentes (Journal of Ethnopharmacology 105, 1-25, 2006; Cannabinoids 5 (special issue), 1-21, 2010) mais de uma centena de trabalhos científicos são analisados, a maioria deles demonstrando os efeitos que são negados pelos autores das frases. Estas revisões concluem que: “cannabinóides apresentam um interessante potencial terapêutico, principalmente como analgésicos em dor neuropática, estimulante do apetite em moléstias debilitantes (câncer e AIDS) bem como no tratamento da esclerose múltipla”.

Há ainda a salientar que várias sociedades científicas americanas já se posicionaram favoravelmente ao uso médico da maconha tais como: Associação Psiquiátrica Americana, Sociedade de Leucemia e Linfoma dos EUA, American College of Physicians e Associação Médica Americana.

Isto sem contar que os Ministérios da Saúde do Canadá, Estados Unidos, Espanha, Dinamarca e Reino Unido já aprovaram o uso medicinal.

– Segundo os autores das frases os proponentes da Cannabis Medicinal usam a “estratégia de confundir o debate” e “…a confusão fica por conta de a ativistas comprometidos com a causa da legalização”

Ora, esta argumentação poderia bem ser utilizada no sentido oposto, como pareceria ser o caso. Sendo totalmente contrário a qualquer uso da maconha investem contra o seu uso medicinal, parecendo tentar convencer o público de que aprovação do uso médico e legalização seriam a mesma coisa, o que esta longe de ser verdadeiro. É bem possível que um forte sentimento ideológico possa estar por trás da confusão armada, o que seria lamentável. Para continuar uma discussão científica minimamente aceitável dever-se-ia por iniciar a leitura de dois artigos publicados neste ano de 2010, em duas das mais serias e respeitáveis revistas científicas do mundo: “Maconha médica e a Lei” (New England Journal of Medicine 362, 1453-1457, 2010) e “Como a Ideologia modela a evidencia e a política: o que conhecemos sobre o uso da maconha e o que deveríamos fazer?” (Addiction 105, 1326-1330, 2010).

Realmente, sem ler não é possível continuar este debate! Sugiro que todos façam “o dever de casa”, atualizando o seu conhecimento com as leituras de mais artigos científicos recentes.

E. A. Carlini, Professor-Titular de Psicofarmacologia – UNIFESP Diretor do CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas Membro Titular do CONED (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas) Membro do Comitê de Peritos sobre Álcool e Drogas OMS (7º mandato) Ex-membro do Conselho Internacional de Controle de Narcóticos (INCB – ONU) (2002-2007)

Saiba mais:
O uso medicinal da Maconha, entravista com Elisaldo Carlini

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O Futuro das pesquisas com psicodélicos e maconha

Em primeira mão, PC disponibiliza a todos a genial e magistral palestra do médico Andrew Weil, criador da Medicina Integrativa, sobre a ciência psicodélica e também sobre a maconha, conferida em Abril deste ano na Califórnia, durante a conferência “Psychedelic Science in the XXI century”, organizada pela MAPS. Disponíveis legendas em en e pt_br. Adubem, espalhem, plantem e semeiem!

saudações

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.


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O começo do fim

“Guerras contra as drogas são sempre perdidas” Andrew Weil, MD.

O ativismo a favor da paz com as drogas ganhou força nos últimos dias. Muita força. No Brasil e no Mundo.

O tema é dos mais polêmicos na conjuntura globalizada do mundo atualmente. O orçamento dos aparatos repressivos e o lucro do comércio ilegal de psicoativos é da ordem de bilhões de dólares. A Califórnia irá votar em novembro a possível legalização da maconha com olhos na renda que será gerada com a legitimização do comércio da cannabis sativa para salvar um estado falido. A ciência mostra a passos largos, rápidos e firmes que as chamadas “drogas” podem sim ser classificadas em distintas categorias e que são muito menos danosas do que propagandeado por aí desde os anos 50-60. Juristas e advogados argumentam sobre a ineficácia do poder punitivo e do sistema carcerário em diminuir o consumo. Então por que ainda há tanta resistência mesmo em se falar sobre o assunto, como na dificuldade de se realizar marchas da maconha pelo país? Pela lógica, seria de esperar o contrário…

Em palestra presidencial no congresso “Ciência Psicodélica no século XXI“, ocorrido em Abril na Califórnia, Andrew Weil, médico criador da Medicina Integrativa, argumentou que esta não é uma questão de lógica, mas sim emocional. Segundo ele, que trabalhou com maconha já na década de 60, “as pessoas acreditam no que querem acreditar e não acreditam no que não querem, independentemente dos fatos e evidências.”

Esta linha de raciocínio pode ser evidenciada pela história sobre a maconha medicinal e também sobre a legalização da planta em outros países. No Canadá, por exemplo, foi necessária a existência de um mártir para que a maconha medicinal fosse aceita. O caso conhecido como paciente número zero começou em 1999. Tratava-se de paciente que sofria de severas convulsões e usava a maconha fumada para se tratar, com êxito. O uso da planta o levou à cadeia, e como consequência o paciente voltou a sofrer severas convulsões. Todos os demais tratamentos disponíveis à época foram testados, sem sucesso. Paciente preso que deveria estar internado em hospital. Esta situação insustentável levou o Canadá a redigir a “Medical Marijuana Access Regulation” (Regulação para acesso a maconha medicinal), posteriormente revisada em 2002, 2005 e 2006. De acordo com o documento, é contra a constituição canadense que determinada Lei, qualquer que seja, impeça o acesso de qualquer indivíduo àquilo que garanta sua saúde e sobrevivência. Estava criada ali, com base em um único caso, uma das legislações mais avançadas do mundo sobre a cannabis medicinal.

No mesmo país, o famoso caso de Marc Emery serviu de catalisador para reformas na legislação sobre a cannabis para uso pessoal, independente de condições de saúde. Marc é o criador da revista Cannabis Culture e de diversas lojas no canadá que vendem acessórios para consumo e também sementes de maconha. As sementes eram também vendidas pela internet, e fizeram extremo sucesso nos EUA, o que tornou Marc milionário em pouco tempo. Eis então que a DEA americana literalmente invadiu o canadá e quis prender um canadense com base nas leis de outro país. Um dos maiores e bizarros choques diplomáticos entre os gigantes da américa do norte.

No Brasil

Recentemente o Brasil ganhou o seu mártir na causa da legalização da maconha. Dia 01 de julho, o músico Pedro Caetano, da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, foi preso em casa por plantar maconha em seu quintal, após denúncias anônimas. Não só o cidadão foi preso, como é acusado de tráfico de drogas. Como alguém que planta em casa para consumo próprio pode ser acusado de tráfico, quando o que está fazendo é justamente evitar contato com este? Há algo de podre no reino da dinamarca…

O caso de Pedro levou a diversas manifestações no twitter, marcadas por #LiberdadePedrada. E catalisou também a publicação de uma carta pública por cientistas de renome no país, que consideraram a prisão de Pedro um equívoco e se manifestam a favor da legalização da planta, não só para fins medicinais mas também para consumo próprio. Eis a carta, que poderá em breve ser assinada por demais pessoas aqui, na íntegra:

“A planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é utilizada de forma recreativa, religiosa e medicinal há séculos mas só há poucos anos a ciência começou a explicar seus mecanismos de ação.

Na década de 1990, pesquisadores identificaram receptores capazes de responder ao tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, na superfície das células do cérebro. Essa descoberta revelou que substâncias muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo, permitiu avaliar em detalhes seus efeitos terapêuticos e abriu perspectivas para o tratamento da obesidade, esclerose múltipla, doença de Parkinson, ansiedade, depressão, dor crônica, alcoolismo, epilepsia, dependência de nicotina etc. A importância dos canabinóides para a sobrevivência de células-tronco foi descrita recentemente pela equipe de um dos signatários, sugerindo sua utilização também em terapia celular.

Em virtude dos avanços da ciência que descrevem os efeitos da maconha no corpo humano e o entendimento de que a política proibicionista é mais deletéria que o consumo da substância, vários países alteraram, ou estão revendo, suas legislações no sentido de liberar o uso medicinal e recreativo da maconha. Em época de desfecho da Copa do Mundo, é oportuno mencionar que os dois países finalistas, Espanha e Holanda, permitem em seus territórios o consumo e cultivo da maconha para uso próprio.

Ainda que sem realizar uma descriminalização franca do uso e do cultivo, como nestes países, o Brasil, através do artigo 28 da lei 11.343 de 2006, veta a prisão pelo cultivo de maconha para consumo pessoal, e impõe apenas sanções de caráter socializante e educativo.

Infelizmente interpretações variadas sobre esta lei ainda existem. Um exemplo disto está no equívoco da prisão do músico Pedro Caetano, integrante da banda carioca Ponto de Equilíbrio. Pedro está há uma semana numa cela comum acusado de tráfico de drogas. O enquadramento incorreto como traficante impede a obtenção de um habeas corpus para que o músico possa responder ao processo em liberdade. A discussão ampla do tema é necessária e urgente para evitar a prisão daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas.

A Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) irá contribuir na discussão deste tema ainda desconhecido da população brasileira. Em seu congresso, em setembro próximo, um painel de discussões a respeito da influência da maconha sobre a aprendizagem e memória e também sobre as políticas públicas para os usuários será realizado sob o ponto de vista da neurociência. É preciso rapidamente encontrar um novo ponto de equilíbrio.”

Cecília Hedin-Pereira (UFRJ, diretora da SBNeC)
João Menezes (UFRJ)
Stevens Rehen (UFRJ, diretor da SBNeC)
Sidarta Ribeiro (UFRN, diretor da SBNeC)

No mundo

Enquanto no Brasil a SBNeC se manifesta a favor de um ponto de equilíbrio, no mundo foi lançada a Declaração de Vienna (Vienna Declaration), uma manifestação mundial a favor da lógica e da informação científica como  bússolas da política mundial de drogas, ao contrário dos rumos atualmente decididos ideologicamente e desinformadamente. A Declaração de Vienna pode ser assinadas por todos, e assinaturas já incluem ex-presidentes, ganhadores de prêmio nobel, celebridades mundiais e estes humildes blogueiros que vos escrevem.

PC chama todos a assinarem, divulgarem, espalharem, refletirem e adubarem ambos os documentos.

Saudações cheias de esperanças,

Eduardo e Marcelo

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Maio da Maconha

A maconha está em alta. Segundo notícia do jornal Destak, apreensões recordes da planta levaram o preço do quilograma em São Paulo dos usuais R$200 para R$2000. O jornal afirma ainda que a dificuldade de se encontrar a planta no mercado ilícito está relacionada a uma preferência dos traficantes pelo mais rentável negócio da cocaína e do crack. O que esta notícia não conta (assim como outras usuais sobre o assunto), é quanto custa aos cofres públicos as tais apreensões e pra onde vai a droga “apreendida”. Mistério…

Outra notícia, do portal G1, afirma que Lula e o presidente paraguaio Lugo declararam que devem trabalhar juntos para conter a criminalidade na região, principal rota da maconha entre os dois países. Novamente não dizem quanto dinheiro será gasto em tais medidas, mas podemos imaginar que é bastante. A Califórnia já reconheceu o fato e irá votar em novembro a legalização da planta que já está sendo legalmente vendida em farmácias especializadas. O principal argumento para a liberação é, pasmem, econômico. Os cálculos indicam que o comércio ilegal de drogas no mundo gira bilhões de dólares (não é exagero não, veja aqui e aqui), tendo sido um dos pontos que evitou maiores consequências na crise financeira 08-09. A califórnia pretende portanto economizar sua parcela em forças repressivas e gerar alguns milhões em impostos, tornando um ralo de dinheiro em fonte de renda para a sociedade. Outra idéia que por aqui também se evita debater.

Na contramão das forças repressivas e disputas de mercado à ferro e fogo está a Holanda, como todo mundo sabe, mas também Portugal, o que quase ninguém sabe. Tendo legalizado geral há uma década, o país europeu viu o consumo diminuir, o comércio se regularizar e os problemas por abuso caírem, pois com o fim da proibição abrem-se avenidas educativas sobre o assunto.

A situação em Portugal

Este ano completa 10 anos uma experiência tida como ousada e inconseqüente, mas que resultou na mais eficiente política de drogas que se tem notícias no mundo atual. Ao contrário do que se imagina, no papel, não é a Holanda que possui a política de drogas mais liberal da Europa…

Era 2000 e Portugal estava sofrendo o amargor de ter uma parcela significativa de cidadãos viciados em drogas. Cerca de 150 mil portugueses, praticamente 1,5% da população, estavam com problemas relacionados ao abuso e vício em opiáceos (heroína, morfina), segundo um levantamento de 1990. No início deste milênio o governo português teve uma medida ousada e descriminalizou as drogas  em todo o país. Sim, todas as drogas, não somente as consideradas leves, como a maconha. Portugal descriminalizou geral.

Hoje, 10 anos após esta medida, que fez com que usuários de drogas deixassem de ser criminosos, e a punição deu lugar à informação e oportunidade de tratamento, o resultado global foi a redução do consumo de drogas em todas as faixas etárias.

Alguns números marcantes:

– As mortes anuais por overdose caíram de 400 para 290.

– As infecções por HIV via seringas compartilhadas caíram de 2.000 para 1.400 casos

– Portugal não se tornou um destino turístico de jovens europeus ávidos por se drogarem.

– O consumo de maconha passou de 10 para 1% da população acima dos 15 anos.

Estes são números de um relatório independente publicado pelo Cato Institute (Washington), apresentado em Washington por Gleen Greenwald “Descriminalização da Droga em Portugal: lições para criar políticas justas e bem sucedidas com as drogas” e noticiado na revista TIME.

Portanto, a descriminalização contribuiu para a redução do consumo e para a prevenção dos possíveis problemas de saúde nos indivíduos que perderam o controle sobre o uso das drogas. Como conseqüência, o usuário, que antes se via no submundo, tratado como criminoso, passou a ser um cidadão comum, inclusive com oportunidade de buscar tratamento, se e quando for necessário.

A Situação no Brasil

Falar sobre o assunto, aliás, é questão tão polêmica aqui em terras tupiniquins que até o ano passado não conseguiram realizar a Marcha da Maconha, movimento internacional de manisfestações públicas a favor da legalização, ou ao menos da descriminalização da planta. Eis que neste mês está agendada a Marcha para o próximo dia 23 de maio e os organizadores tomaram a dianteira realizando abaixo assinado a favor do movimento, garantido pela constituição brasileira como direito à liberdade de expressão, solicitando que o mesmo não possa ser impedido de última hora com recursos jurídicos como as liminares utilizadas nos anos anteriores.

Enquanto a polêmica nas ruas segue seu caminho, a maconha vai abrindo avenidas na área da ciência biomédica. E o elo é direto, porque a proibição da planta no mundo é obviamente liderada pelos EUA, país que se diz terra da liberdade, mas que não o é. Os EUA são bem claros quanto aos critérios para uma substância qualquer ser classificada como “Schedule 1”: vicía e não tem potenciais terapêuticos. Eles só não são e nunca foram claros com base em quais pesquisas classificaram a maconha (e muitas outras substâncias) como sendo viciantes e sem potencial médico. A maconha, no caso, tem inúmeros. São tantos que elaborar uma lista é tarefa hercúlea, mas só pra dar uma idéia: enxaquecas, anemia, bulimia, dores crônicas, bronquite, asma, vômitos e até câncer. A Califórnia já reconheceu o fato e vem fazendo bons negócios (sem tiroteios) com seus depósitos legalizados de maconha medicinal. E olha que a planta verde claro e cheirosa que andam fumando por lá quase nada tem a ver com esses tijolos marrom escuro e fedidos que circulam entre o Brasil e o Paraguai. Essa talvez não tenha potenciais terapêuticos mesmo, devido à grande quantidade de toxinas e conservantes que se aplica para poder transportá-la em condições e locais indevidos.

Os movimentos populares parecem estar sintonizados com o avanço da abordagem médico-científica da planta mais famosa do mundo em nosso país. Poucos dias antes da data planejada para o movimento pacífico e constitucional da marcha da maconha (23/05) ocorrerá em São Paulo o simpósio “Por uma agência Brasileira da cannabis medicinal?”, dias 17 e 18/05 na UNIFESP. Organizado pelo Dr. Elisaldo Carlini, Professor de Psicofarmacologia, membro do Painel de especialistas em dependência de drogas e álcool da OMS, ex-membro da Comissão Internacional de Narcóticos e coordenador da Câmara de Assessoramento Técnico Científico da Secretaria Nacional Antidrogas, o simpósio deixa claro que não tratará das questões legais do uso, comércio, distribuição etc; mas sim dos potenciais terapêuticos da planta:

Hoje, a maconha e seus derivados são reconhecidos como medicamentos em pelo menos quatro países. Para lidar com a maconha como medicamento, a ONU recomenda a criação de uma Agência Nacional da Cannabis Medicinal para aprovar e controlar adequadamente seu uso médico.
O Simpósio 
reunirá cientistas do Brasil e do exterior, sociedades científicas e Agências Governamentais para discutir a oportunidade de ser criada a Agência Brasileira da Cannabis Medicinal, que permitiria e controlaria o uso médico da maconha e seus derivados.

Lembrando que a proibição da planta teve em sua origem o argumento de que além de perigosa e viciante não possúi potenciais terapêuticos, o elo entre o simpósio medicinal e as manifestações públicas fica evidente, pois o negócio que de fato reduz com a proibição é a pesquisa médico-científica, e não o consumo. Hoje são 4 décadas de proibição no mundo e se tudo isso não resolveu a questão, jogar mais lenha não vai apagar a fogueira.

A pergunta que fica é: Como seria a fronteira Brasil-Paraguai, onde hoje há mais homicídios do que no Rio e em São Paulo juntos, se a maconha fosse comercializada legalmente e os produtores disputassem o mercado com propaganda, como fazem os produtores de cerveja?

Para saber mais:

Maconha, Cérebro e saúde

Proibições, Riscos, Danos e Enganos – As drogas tornadas ilícitas

Cannabis Policy: Moving Beyond Stalemate

cannabis-med.org

Colaborou: Fabrício Pamplona, Doutor em Psicofarmacologia pela UFSC, Florianópolis

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